domingo, 9 de janeiro de 2011

A origem da luz cinzenta na Lua crescent

Explicação sobre a luz cinzenta, que pode ser observada no início da Lua crescente; ainda, eventos astronômicos do mês.

Por Ronaldo Rogério de Freitas Mourão
No início da Lua crescente, pode-se observar, além da região diretamente iluminada pelo Sol - um fino e delicado crescente -, todo o hemisfério lunar com um brilho muito difuso e tênue: é a luz cinzenta, assim chamada porque sua coloração lembra a tonalidade incandescente das cinzas. Esta luz permite ver todo o hemisfério lunar, mesmo quando só uma porção muito reduzida é iluminada pelo Sol. Os povos antigos ficavam perplexos com essa luz. Alguns acreditavam que a Lua fosse ligeiramente fosforescente.
Em conseqüência, essa luz própria possibilitava observar a totalidade do astro, numa época em que, segundo a teoria das fases lunares, só se visualizava uma região muito pequena da superfície lunar. Tal suposição não estava de acordo com o que ocorria durante os eclipses totais da Lua, pois o satélite jamais desaparecia completamente nessas ocasiões. Astrônomos como o grego Possidônio (135-51 a.C.) sugeriam que a matéria da Lua era diáfana, de tal modo que os raios solares ao penetrarem além da superfície diretamente iluminada se dispersavam, como os raios luminosos quando penetram no interior das nuvens.
Essa explicação foi defendida pelo matemático polonês Vitellus no século XIII e pelo astrônomo alemão Erasmus Reinhold (1511-1553), três séculos mais tarde. Já o célebre astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601) dizia que o clarão tinha origem na luz de Vênus, que após iluminar a face oculta do nosso satélite se refletia em direção à Terra. Outros chegaram a atribuir o clarão à própria luz das estrelas. O problema só foi definitivamente resolvido em 1604, quando Johannes Kepler (1571-1630) divulgou a explicação de seu mestre de matemática, o alemão Michael Möstlin (1550-1631). Para ele, a verdadeira causa do fenômeno estava na luz solar que, após iluminar a Terra se refletia em direção à Lua, da qual retornava à Terra após uma segunda reflexão com o aspecto de uma luz incandescente. Na Itália, atribui-se essa hipótese a Leonardo da Vinci (1452-1519), que a teria elaborado em seus manuscritos. O grande mérito, no entanto, ficou mesmo com Möstlin, que apresentou suas observações antes que os cadernos e anotações davincianas fossem publicadas.
Na verdade, a luminosidade que aparece no lado não-iluminado do disco lunar, quando a Lua é visível sob a forma de um fino crescente, provém da luz que a Terra reflete sobre o disco lunar. As "fases" da Terra vistas da superfície lunar são complementares às fases da Lua. Assim, quando os habitantes da Terra vêem a Lua nova, os astronautas na Lua vêem a Terra cheia. À medida que a Lua cresce, esse brilho diminui. Em conseqüência, a intensidade da luz cinzenta depende não só da porção da Terra visível da Lua mas também do estado menos ou mais nebuloso da sua atmosfera.
Esta reflexão da luz solar pelo globo terrestre é bastante intensa se considerarmos que a extensão superficial da Terra é cerca de treze vezes superior à da superfície lunar. Ao aceitarmos a explicação de que a luz secundária é que permite ver a porção da Lua não-iluminada, constatamos que esse clarão vai diminuir de intensidade à medida que a Lua crescente no poente, após o pôr-do-sol, caminha para o plenilúnio. E irá aumentar no intervalo que vai do dia da Lua cheia até a minguante, quando no nascente ela desaparece de madrugada sob os efeitos dos raios do Sol.
As medidas da luz cinzenta permitem determinar a intensidade da luz terrestre como se a tivéssemos medido a partir da Lua. Sabendo qual é a fração da luz solar refletida pela superfície lunar, é fácil, com base na intensidade da luz cinzenta, deduzir a intensidade da luz terrestre. Por isso, sabia-se antes da chegada do homem à Lua que a Terra reenviava para o espaço cerca de 40% da luz incidente, numa coloração azulada. Isso foi confirmado mais tarde pelos satélites artificiais em órbita muito elevada. Os observadores da luz cinzenta estão habituados a notar que o crescente lunar parece sempre maior que a parte escura da Lua. Trata-se de uma ilusão de ótica, provocada pela irradiação que faz com que a região brilhante pareça maior que a escura.
O astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é membro da Comissão de Estrelas Múltiplas e Duplas, de História da Astronomia e de Asteróides e Cometas da União Astronômica Internacional.

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